Entre os políticos que estiveram com Francisco nos últimos momentos ou vão participar de seu funeral estão personagens com os quais o chefe da Igreja Católica teve diversos confrontos nos últimos anos. Entre eles estão JD Vance, último a visitá-lo oficialmente, e os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Argentina, Javier Milei.
JD Vance compartilhou uma mensagem proferida pelo papa em março de 2020, início da pandemia de covid-19, ao publicar sua mensagem de condolências. "Fiquei feliz em vê-lo ontem, embora ele estivesse obviamente muito doente. Mas sempre me lembrarei da homilia que ele proferiu logo nos primeiros dias da covid. Foi realmente muito bonito. Que Deus o tenha em paz."
De uma das alas mais conservadoras da direita, o vice americano se converteu ao catolicismo em 2019, aos 35 anos, quando foi batizado e recebeu sua primeira comunhão na igreja de Gertrude, em Ohio, tendo santo Agostinho como patrono de sua confirmação. A conversa no domingo, 20, entre os dois ocorreu dois meses após o sumo pontífice criticar duramente a política migratória do governo Trump. Em fevereiro, Francisco afirmou que a política de deportações em massa adotada por Trump era uma violação à dignidade humana.
Na época, Vance justificou o programa de deportações em massa de imigrantes citando a existência de um conceito elaborado no século IV por Agostinho, a ordo amoris. "Existe um conceito cristão que diz para amarmos nossa família, depois nossos vizinhos, depois nossa comunidade, depois nossos concidadãos", disse ele, "e por fim dar prioridade ao resto do mundo".
Francisco, como era costume, não silenciou. O papa alertou os bispos americanos deque "o amor cristão não é uma expansão concêntrica de interesses que pouco a pouco se estendem a outras pessoas e grupos". "A verdadeira ordo amoris" - a ordem cristã na caridade - baseia-se no amor que constrói uma fraternidade aberta a todos, sem exceção."
A mensagem de Francisco provocou um rebuliço na Casa Branca na ocasião. Em resposta, o chefe do governo americano para a fronteira, Thomas Homan, disse que o papa deveria cuidar "dos assuntos da Igreja Católica". As diferenças entre Francisco e Trump começaram ainda no primeiro mandato do republicano. Em 2016, quando o americano defendia o muro contra imigrantes entre Estados Unidos e México, Francisco disse que "uma pessoa que pensa apenas em construir muros, e não em construir pontes, não é cristã".
Nicolás Maduro, da Venezuela, foi outro alvo do líder católico, quando disse no ano passado que "ditaduras não servem e acabam mal". Maduro enviou condolências nesta semana, dizendo que Francisco foi "amigo do povo".
Por fim, o papa Francisco qualificou a Nicarágua como "ditadura grosseira" e declarou que o presidente Daniel Ortega é "desequilibrado". Ortega rompeu com a Igreja. Israel não fez isso, mas reclamou da constante críticas de Francisco por causa da guerra na Palestina. As mesmas queixas diplomáticas vêm da Rússia, cujo presidente não irá ao funeral - pesa a condenação de Putin pelo Tribunal Penal internacional, mas também a posição de Francisco, considerada pró-Ucrânia.
Na Argentina
Dos peronistas a Javier Milei, Francisco teve relações tensas com vários presidentes da Argentina, embora tenha recebido no Vaticano todos os que estiveram no poder durante seu papado. Alvo da politização, ele acabou se distanciando do seu país de origem e morreu sem ter ido a Buenos Aires como papa.
A disputa envolvendo o líder católico ganhou novos contornos quando Javier Milei o insultou como "imbecil" e "representante do maligno na Terra" durante as eleições. Milei não foi o único líder argentino a criticar o papa. O casal Néstor e Cristina Kirchner considerava Francisco o "líder espiritual da oposição". Os peronistas chegaram a acusá-lo de colaborar com a ditadura militar argentina entregando padres para o regime - denúncia que nunca ficou comprovada. Já a aprovação do aborto desgastou o líder da Igreja Católica com Mauricio Macri e Alberto Fernández.
"Na Argentina, o papa era visto com um perfil de esquerda, e a direita mais liberal não gostava dele", explicou o biógrafo Sergio Rubín, coautor de O Jesuíta (2013) e O Pastor (2023). Francisco disse que gostaria de visitar a Argentina, mas não queria que a passagem pelo país fosse "usada nem para um lado nem para o outro", expressando a preocupação com a politização de sua imagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.